"ILHA A ILHA. DOR A DOR. AMOR A AMOR"

(Ovídio Martins)

BEM-VINDO - NHÔS TXIGA

NOVO ANO E REGRESSO.

Ainda sem o aparato das TIC, pretendo, lepetê lepetê (como dizemos em Santiago), partilhar os pensatempos que me saltam das mãos e do peito. Mantenha txeu!

DE SANTO ANTÃO A BRAVA

DE SANTO ANTÃO A BRAVA
O nosso Cabo Verde se faz em segunda sementeira, nas três pedras do fogão, no tomar da benção e no rabo de enxada

domingo, 31 de janeiro de 2010

Djunê fala por-tu-guês e você?

Esta é uma história real. Fora os nomes, tudo o resto se passou em Santiago de Cabo Verde, no final da década de (19)90. Duas crianças com acesso à televisão e de uma classe não desfavorecida daquele meio comentavam o seu primeiro dia de aula. Djunê e Zavá são primos. Djunê é filho de uma professora primária, formada. Vai para o primeiro dia de aulas já preparado pela Mamã de que vai ouvir/falar o português. Segue o diálogo em cabo-verdiano com tradução por minha conta:

- Zavá, nhôs papia purtugês?
- Modi?
- Si hôs papia paaaapia purtuges, môs...portugês. Prusóra ka papia ku nhôs purtugês?
- ...
- Zavá, nhôs ka fla "Bom dia, dá licenças, faz favor, como te chamas". POR_TU_GUÊS
- Môs, bô é fastentu, môs. Anôs, nu papia ku bóka, pateta.


TRADUÇÃO:
- Zavá, vocês falaram português?
- O quê?
- Tou perguntando se vocês falaaaaaaram português, cara..português. A professora não falou português com vocês?
- ...
- Zavá, Vocês não disseram "Bom dia, dá licenças, faz favor, como te chamas" POR_TU_GUÊS
- Puxa, cara, como tu é chato, meu. Nós falamos foi com a boca, seu mané.

Se falamos português? Como assim? Nós falamos foi com a boca!

Pensatempo : Língua Portuguesa
e sua relação com a identidade nacional cabo-verdiana


As línguas são essenciais para a identidade dos grupos e dos indivíduos, bem como para sua coexistência pacífica. Elas constituem um factor estratégico para a obtenção de um desenvolvimento sustentável, além de uma articulação harmoniosa entre o que é global e o que é local.
(Dr. Koichiro Matsuura, Director Geral da Unesco/08)

1 Problematização
Existem razões para que à Língua Portuguesa se atribua o estatuto de língua nacional?
Damos à palavra pensatempo o significado de uma reflexão breve, porém neutra; ou, pelo menos, numa perspectiva plural. Num pensatempo, tentamos olhar para o mesmo tema, antes pensado com olhar próprio e convicções havidas, hoje contemplado e “ozerbadu” num outro redesenhar, com o olhar de quem quer redescobrir o mesmo assunto de outra forma. Neste pensatempo, propomo-nos a rever a identidade nacional (cabo-verdiana) numa perspectiva diferente: como contar a história da identidade nacional, sendo a LP protagonista? Ela seria um veículo de transmissão, a memória, um dos elementos …parte da essência? Que papel teria e que estatuto teria a LP na construção da nossa identidade? Para uma fundamentação coerente, duas perspectivas diferentes devem ser consideradas: uma perspectiva política e uma perspectiva linguística; e dois níveis de orientação em política de língua devem ser consultados: o da orientação nacional e o da Organização das Nações Unidas - implementadas pela Unesco.
Iniciamos esta reflexão que pretendemos “ligeira” e de leigos, com uma epígrafe extraída da Mensagem do Director Geral da Unesco, por ocasião da celebração do Ano 2008 – Ano Internacional das Línguas, proclamação feita pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A preocupação central da Unesco relativamente às línguas é com a sua protecção e preservação. E o desafio lançado a todos, ao longo da mensagem de celebração, é o de promover um ambiente de multilinguismo, por meio de atitudes e políticas concretas que permitam o seu uso. No ambiente ideal de multilinguismo, todas as línguas existentes e especialmente as que estão em perigo, devem ser usadas e todos os falantes devem esforçar-se por dominar, para além da sua língua materna, a língua nacional, a oficial e, pelo menos, uma língua internacional.
A questão que se deve colocar, especialmente em Cabo Verde é: o que é dominar uma língua? Que línguas dominamos? É ou não um ganho ter duas línguas? Existe conflito linguístico? Se existe uma “concorrência desleal” como já se disse que existe, ela é feita efectivamente “contra” o Crioulo/cabo-verdiano? Não será o TEMPO de nós, crioulos, mestiços culturais assumidos, resolvermos o “Problema do Onkombe”?
2 O Problema do Onkombe
O conceito genérico de domínio de uma língua abarca o falar, o escutar (compreender), o ler e o escrever. O contexto linguístico de Cabo Verde permite que todos os cidadãos residentes tenham contacto com duas línguas em permanente convívio e que são, do ponto de vista linguístico, complementares. Em nosso entender, a diglossia já assumida pelos estudiosos nacionais e estrangeiros, à qual preferimos acrescentar o adjectivo “funcional” é um estado de desenvolvimento que retrata a estória e a História do povo das ilhas. A construção do bilinguismo, sendo assumida politicamente na Constituição e nas políticas do Governo, deve ser entendida como uma medida que requer uma reflexão serena e avisada, do ponto de vista técnico. Em termos estritamente técnicos e numa perspectiva sincrónica, podemos dizer que, em sua maioria, os cabo-verdianos são diglotas e não bilingues e que a construção do bilinguismo passará, necessariamente, por criar políticas activas que permitam um maior domínio da fala em LP e da escrita e leitura em LCV. Ao falante cabe o compromisso de se esforçar por fazer bom uso de ambas as línguas e assumi-las como suas, numa perspectiva de complementaridade e não “de costas voltadas”.
Se fosse adequado considerarmos a imagem da concorrência (linguística), e se em tal cenário pensássemos em vantagens, a LCV não estaria em posição de “desvantagem”. Pois é a fala que realiza uma língua, que a escrita depois _ mas não necessariamente _ tenta dar conta de representar. Existe uma quantidade de informações que gestos e expressões corporais, entoações e mil não-ditos transmitem e que não são representados pela escrita. E quando utilizamos a fala, e principalmente na perspectiva de discurso na acepção de Saussure, pretendemos a produção oral, com as marcas da individualidade, espontaneidade, criatividade, estilo…
Aos que pensam que basta o estatuto de língua oficial para que uma língua tenha prestígio e que chamar um idioma de dialecto desencoraja o seu uso, vejamos as designações que os cabo-verdianos utilizam para se referir às suas línguas: dos movimentos literários ao Parlamento, dos textos legislativos aos científicos, em prosa e verso, em Crioulo e em Português:
Língua Portuguesa: Estatuto- língua oficial
Língua Cabo-verdiana: Estatutos: língua materna, língua nacional, língua de berço, língua di téra, língua di povo. E o melhor de todos: o Crioulo/língua crioula (aqui vale explicar que os cabo-verdianos se autodenominam “crioulos” e que “Nha crioulinha” é uma forma verdiana de dizer “minha princezinha”
Como entender uma política de língua que não repense o nosso falar português? Temos, mesmo, um português realmente falado em Cabo Verde? Pode-se encontrar o registo culto, o padrão… mas e o coloquial/familiar? …o informal, quando ele acontece? Criamos? Inovamos? Quantos falam espontaneamente? Quantos fazem opção real pela LP? Se poucos, como nos parece que vem acontecendo, como poderá acontecer uma reconciliação e uma apropriação com a nossa língua oficial?
3 Língua Portuguesa – Língua Nacional
O conceito de língua nacional é utilizado, frequentemente, em oposição ao da língua oficial. A primeira existe numa sociedade que se realiza, cultural e afectivamente, numa língua cujos laços unem toda uma nação que normalmente tem outra língua que a representa oficialmente; no campo semântico em que se usa o termo língua nacional, estão associados entre si, os conceitos de resistência, afirmação, consciência linguística… Do ponto de vista linguístico, a língua nacional é aquela que facilita a união, a comunicação entre regiões díspares e é conhecida e utilizada por todas as classes sociais, preferencialmente, em qualquer situação de comunicação.
Joaquim Mattoso Câmara Jr , utiliza o termo “língua comum” como sinónimo de “língua nacional”, enfatizando o factor da comunicabilidade dos falantes e admite que “a língua nacional nem sempre corresponde ao conceito estrito de nação, como Estado politicamente constituído e soberano. Num desses estados pode vigorar mais de uma língua nacional (…) e uma língua comum pode vigorar em mais de um Estado”
Segundo a Enciclopédia das línguas no Brasil, língua nacional “É a língua do povo de uma nação enquanto relacionada com um Estado politicamente constituído (…) a língua nacional caracteriza-se como uma em virtude de uma relação de unidade imaginária da língua que é atribuída à Nação.”
Há consenso entre diferentes manuais de que à língua nacional é associada a ideia de língua falada num determinado território que, por reflectir uma determinada herança étnico-cultural, representa um elemento caracterizador de uma consciência nacional e, nos “casos mais evoluídos”, é também suporte de uma expressão literária autónoma.
Ao termo língua oficial, por outro lado, podem estar associados conceitos antagónicos. Na definição dada pela Unesco, ela é “a língua utilizada no quadro das diversas actividades oficiais: legislativas, executivas e judiciais de um estado soberano ou território.”
Na perspectiva de linguística descritiva e sincrónica, Cabo Verde, hoje, só poderia ter como língua oficial, o português, e como língua nacional, o cabo-verdiano. Numa perspectiva de política de língua que melhor serve aos interesses da Nação e do Estado, do País enquanto integrante da CPLP e da ONU, é razoável que se repense, ao lado de uma proposta de oficialização gradativa da LCV, a tematização de um estatuto de língua nacional para a LP. Fundamentos linguísticos para se lançar tal proposta residem nas seguintes definições linguísticas:
a) a língua nacional nem sempre corresponde ao conceito estrito de nação; b) Num desses estados pode vigorar mais de uma língua nacional (…) e uma língua comum pode vigorar em mais de um Estado; c) é uma herança étnico-cultural; d) é também suporte de uma expressão literária autónoma; e) esteve sempre presente em todos os momentos marcantes do processo da caboverdianidade e permitiu e permite ainda que outros povos nos identifiquem;
Como conclusão, diríamos que as ciências da linguagem descrevem a situação linguística e oferecem dados e caminhos possíveis para que os estados possam implementar suas políticas de língua. O Estado decide seus objectivos e metas em relação ao seu património linguístico e pode utilizar as ciências da linguagem para facilitar a concretização das suas políticas. Da mesma forma que existe uma diglossia funcional que é um terreno fértil para a construção do real bilinguismo, existem requisitos mínimos para uma proposta de estatuto de língua nacional à LP, desde que planificada e considerada numa perspectiva de construção. Uma perspectiva de aproximar a LP do falante, de criar um convívio saudável entre as duas línguas, de entender que ambas as línguas são prejudicadas quando uma é considerada, de alguma forma, superior à outra.
Quanto mais dominarmos as duas línguas, melhor nos preparamos para enfrentar os desafios deste mundo em mudança. O problema do onkombe é a sina do mestiço. E de dois rios de costas voltadas, propomos todo o nosso mar, que acolhe os rios e que nos identifica: separando-nos e devolvendo-nos ao mundo, como únicos, singulares, mas fazendo parte do todo que hoje é o mundo globalizado. Falta a todo o mestiço a terceira via, que é a de se encontrar, em paz, com ambas as suas origens. E a África e o africano dar-se-ão melhor com a sua História pois serão dela protagonistas conscientes.
“Daí que a protecção, promoção e valorização das línguas nacionais seja, em muitos casos, promovida explicitamente nas próprias constituições nacionais.”, diz-nos a Enciclopédia Livre. E diz-nos a Unesco na sua mensagem do Ano Internacional das Línguas:
“Temos de agir agora, urgentemente. Como? Encorajando e desenvolvendo políticas linguísticas que permitam a cada comunidade utilizar a sua primeira língua, ou língua materna, o mais ampla e frequentemente possível, incluindo na educação, dominando simultaneamente uma língua nacional ou regional e uma língua internacional. Encorajando também os detentores de uma língua dominante a falar outra língua nacional ou regional e uma ou duas línguas internacionais. Só se o multilinguismo for totalmente aceite poderão as línguas encontrar o seu lugar num mundo globalizado. Por conseguinte, a UNESCO convida os governos, as organizações das Nações Unidas, a sociedade civil, as instituições educativas, as associações profissionais e todos os outros actores envolvidos a incrementarem as suas actividades para fomentar o respeito e promover e proteger todas as línguas, especialmente as línguas em perigo, em todos os contextos individuais e colectivos. (…) O nosso objectivo comum é assegurar que a importância da diversidade linguística e do multilinguismo nos sistemas educativo, administrativo e legal, expressões culturais e comunicação social, ciberespaço e comércio, seja reconhecida a nível nacional, regional e internacional.”
Por um Cabo Verde bilingue, fale mais português e escreva mais cabo-verdiano.
Se preferir, experimente prescindir de uma delas…
Cidade da Praia, 29/12/08

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sodadi BÔ

Mar,

Céu, Lua, Onda, Estrela, Espuma

Azul

Azul

Azul

Stréla, óndia, lua, mar, Séu

Limpu,

longi, pertu, pertu? Lôngi…

Lôn-gi, Lôn-gi!!

Mar

Mar

Y

Séu

Oh Mar di KauVerdi.

Sinestesia.com

Bossa Nova embala o frio lá fora

E o perfume e a gargalhada dos olhares

O vinho nunca soube tão bem

Cheiro de uva, gosto de maçã, cor de cereja.

Piano, acordes

Tijuca night 2008
C. R.

AMOR

AMOR DE MÃE É ESTAR DOIDINHA POR PEGAR UMA ONDA, MAS FICAR SÓ NA ORELA DI MAR SÓ PROTEGENDO A CRIA.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Pasárgada de mim

Retomando o repto de
QUARTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO DE 2009
UMA LEITURA DE AZEVICHES
“Les souvenirs que j’ai de ma vie réelle ne
sont ni plus colorés ni plus vibrants que
ceux de mês vies imaginaires”
(...)
“Pour écrire l’histoire d’un autre, je colla-
bore avec ma propre vie. Qu’on ne cherche
pas à savoir ce qui, dans cette fiction, est
indubitablement moi. On s’y tromperait. Et
mes proches s’y tromperaient autant et plus
que les autres.”

(DUHAMEL,G.In Remarques sur les memoires Imaginaires _ Paris _ Mercure de France_ Sixième édition.).

Um texto equivalente em Português seria:

As lembranças que eu tenho da minha vida real não são nem mais coloridas nem mais vibrantes daquelas que eu tenho da minha vida imaginária.

Para escrever a história de alguém eu colaboro com a minha própria vida. Que não se tente descobrir, nessa ficção, o que seria indubitavelmente eu. Quem fizesse isso enganar-se-ia. E os que me são próximos se enganariam tanto ou mais ainda do que os outros.


COM ESTA CITAÇÃO, QUE É QUASE UM MANIFESTO, INICIO UMA LEITURA PARTILHADA DE MOMENTOS POÉTICOS QUE ME SÃO SIGNIFICATIVOS. RECUPEREMOS O PRAZER DO TEXTO, UM ALÍVIO QUE FOGE Á ORTOPEDIA CANÔNICA E QUE DEIXA, NA POESIA, UM QUÊ DE HUMANO. HAJA ESCAPE PARA A VIDA QUE SOMA À ESCRITA A SEMPRE MESMA VONTADE DE MIM... LIBERDADE E VOZ.

Lembrando Germano Almeida e O Meu Poeta

Que bom que foi ver-te de novo! E mesmo para me chamares de vatel valeu a pena teres vindo. E a propósito que dizes do título que proponho para os Episódios?
Guardava ainda de ti a imagem das calças de ganga e cabelo ao vento quando apareceste na porta com o mesmo sorriso. Reencontrar-te assim foi mais do que alguma vez sonhei no longo deserto onde me deixaste e se o meu corpo não traduziu toda a festa do meu espírito pela tua presença foi só pela fraqueza que ainda tenho de perder as palavras diante de ti e apenas desejar ficar olhando-te, e apenas querer acariciar o teu nariz com os meus dedos. Quanto tempo recuei vendo-te ali? Hoje já não sei se foram anos ou apenas um dia. Tanto tempo e continuas a mesma que um dia me fez pensar que afinal há outros mundos para além do nosso que corria atrás do tempo tentando por ele acertar o passo. Bem sei que apenas tinha visto os teus olhos mas para mim eras todo o mundo reunido na figura que eu vira cintilar na areia a nossa lua naquela noite em que me disseste que a ilha era demasiado pequena para os teus sonhos. Mas tu viste-me assim estático e ironica disseste que afinal já éramos dois a fuscar para a Pasárgada.
Estou no entanto em condições de garantir-te ser natural que eu tivesse ficado embriagado, porém não fusco. Um fusco não tem memória e eu lembro-me de tudo como se estivesse a acontecer neste momento: Bateste, eu abri a porta e por momentos não acreditei que os meus olhos te viam, decerto tinhas acabado de morrer em qualquer lado e o teu espírito vinha numa primeira visita. (p.314)

LADRIDJA BU LAGADJI

Letras de Cabo Verde regressa para homenagear o Vadu.
Poucas palavras seriam adequadas, apropriadas, suficientes.
Haja gestos para os que estão na nôs tera e palavras... apenas, as mesmas do Vadu, de nós que estamos longe. Pois é preciso mais do que consternação para vencer as nossas perdas.
Devolvo o abraço que me foi dado quando meu Avô se foi ao Dário, à Carmen... e, quando a dor for muita, txeu ki pasa marka:

"Ladridja bu lagadji
ladridja bu lagdji
pô pé rixu na txom
bu mostra ma dja bu da homi si
ma bu sta dentu di bu txom"

Descanse em Paz...