"ILHA A ILHA. DOR A DOR. AMOR A AMOR"

(Ovídio Martins)

BEM-VINDO - NHÔS TXIGA

NOVO ANO E REGRESSO.

Ainda sem o aparato das TIC, pretendo, lepetê lepetê (como dizemos em Santiago), partilhar os pensatempos que me saltam das mãos e do peito. Mantenha txeu!

DE SANTO ANTÃO A BRAVA

DE SANTO ANTÃO A BRAVA
O nosso Cabo Verde se faz em segunda sementeira, nas três pedras do fogão, no tomar da benção e no rabo de enxada

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sobre a problemática de haver um Crioulo-dialeto de Cabo Verde.

Esta semana iniciamos um “Sumara Tempu”, que é uma pausa para avaliarmos das perdas e danos que possamos ter causado com o nosso “pensatempo”.
A realidade entre o prazer da escrita e o reverso do leitor nos surpreendeu. Não se pode falar sobre a língua cabo-verdiana sem causar alarido de prós e contras de todos os lados. Sendo assim, e fiéis ao princípio de que não pretendemos agradar às diferentes opiniões e de que a polémica sobre a LCV/LPT em Cabo Verde pode estar fora de foco, e, principalmente, porque pretendemos partilhar opiniões que possam ser válidas pela positiva, decidimos retomar alguns mitos que ainda fazem vez e nos levam a ter posições radicais _ porque assumidas com base em pressupostos errados!
Então pedimos paciência, alguma atenção e boa vontade. Este pequeno texto e outros que se seguirão chamados de “Sumara Tempu” procurarão repensar, em conjunto com os leitores, os mitos que consumimos e que dizem (des)respeito à nossa língua de berço. Então, lepetê lepetê, chegaremos lá. Pois, no bom crioulo badiu: “papa kenti, kume-l di boita.” Prometemos, desta vez, textos pequenos, claros e com exemplos reais.

Mito nº 1: O CRIOULO DE CABO VERDE É UM DIALETO.

- Nhô sta, Xinói. Nhara sta, Fika. Maninha da-m bensu mô sta-du gora?
Eh, Naiss, mô ki bai ?
- Txiga, fidju fèmia, bu gentis grandi… da-m noba dê-s.
- Txiga poku.
- Kel poku mê.
(…)
- Bom, ti lógu, D. Djeny.
- Ba, n’hora de Deus, Nha Fidje. Salva-me Ti Góia!

Problematização do mito: dialeto de quê?

Não se diz que o Crioulo é um dialeto; o correto seria dizer que o Crioulo é dialeto da língua X. Então se um brasileiro, um português, um angolano… pudessem entender uma das partes do texto acima, o Crioulo poderia ser dialeto do português. Mas não entendem.
O Crioulo, para além de não ser dialeto de nada, ele TEM dialetos (de Barlavento “Salva-me Ti Góia”, de Sotavento “Nhô sta, Xinói”, badiu di fora, di Praia, do Fogo…dialetos regionais; tem o dialeto formal/cerimonioso “Txiga poku”/”kel poku mê”, informal “Eh, Naiss, mô ki bai?”, entre outros.
A língua cabo-verdiana é um idioma independente com sua riqueza e complexidade próprias, de constante inovação e que acompanha todos os momentos da vida cotidiana. É utilizada em todas as situações de comunicação, por todas as classes sociais e em todas as regiões de Cabo Verde. Seria dialeto se fosse uma forma específica de se falar uma língua: como muitos acreditaram que a LCV era uma forma diferente de se falar o português, como se o português fosse uma forma diferente de falar o Latim.
Se o Romeno, o Francês, o Italiano, o Espanhol, o Português… não são dialetos do Latim e sim outras línguas, independentes entre si, que na sua composição inicial, foram uma forma de ramificação da árvore latina, então o Crioulo de Cabo Verde não pode ser dialeto de nenhuma delas.
O correto seria dizermos “língua cabo-verdiana” ou, para quem prefere o nominho, então que seja “crioulo de Cabo Verde”. E, do mesmo modo que dizemos que, em português temos o dialeto carioca, dialeto “caipira”, dialeto “alfacinha”, do Minho, dialeto baiano…etc, referimo-nos a variantes da mesma língua portuguesa, podemos dizer que o cabo-verdiano tem dialetos, como todas as línguas, e que sua variedade diz da riqueza e da maturidade linguística dessa língua: que é de origem mestiça, porém, autónoma.